Denúncia-crime – Silvio Barros II

DENÚNCIA CRIME N.º 637950-4, DE MARINGÁ Denunciante: MINISTÉRIO PÚBLICO Denunciado: SILVIO MAGALHÃES BARROS II Relator: Des. JOÃO KOPYTOWSKI
DENÚNCIA CRIME. PREFEITO MUNICIPAL. CRIMES DE RESPONSABILIDADE. ART. 1º, XIV, 2ª PARTE, DO DECRETO-LEI N.º 201/60 (1º FATO) E ART. 92 DA LEI N.º 8.666/93 (2º FATO) C/C ART. 69 DO CP. REQUISITOS FORMAIS PREENCHIDOS. PRELIMINAR DE INÉPCIA. NÃO ACOLHIMENTO. 1º FATO. DESOBEDIÊNCIA À ORDEM JUDICIAL. ARBITRAMENTO DE MULTA DIÁRIA (R$ 10.000,00) NA ESFERA CÍVEL. APLICAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 7347/85 (LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA). NÃO CUMULATIVIDADE COM SANÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. 2º FATO. INDÍCIOS SUFICIENTES DE MATERIALIDADE E AUTORIA. TESES DA RESPOSTA INSUFICIENTES PARA OBSTAR, SUMARIAMENTE, A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO CRIMINAL. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CPP. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA APENAS QUANTO AO 2º FATO. DESNECESSIDADE DE PRISÃO PREVENTIVA E/OU AFASTAMENTO DO CARGO.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos, acima identificados.
1. Relatório 1.1 SILVIO MAGALHÃES BARROS II, então Prefeito de Maringá, foi denunciado, como incurso no artigo 1º, inciso XIV, 2ª parte, do Decreto-Lei n.º 201/67 (1º fato) e no artigo 92, da Lei n.º 8.666/93 (2º fato), combinado com o artigo 69, do CP, pela prática dos seguintes fatos delituosos:
1º FATO: Em 19/10/2000, foi protocolada perante o Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Maringá, Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados ao Meio Ambiente, com pedido de concessão de Medida Liminar, cumulada com a Obrigação de Fazer, em face do Município de Maringá, autuado sob nº 569/2000, requerendo, dentre outros, a proibição do depósito de lixo na área até então utilizada, localizada na estrada São José, Gleba Pingüim, lotes 31A-1 e 31B, a recomposição da área degradada, e determinação ao Município destinar outro local para o aterro sanitário e destinação específica para o lixo hospitalar.
Por força de sentença judicial prolatada nos autos nº 569/2000, da 2ª Vara Cível de Maringá, em 18/03/2005, o Município de Maringá foi condenado (item III, fls. 184/185), num prazo entre quatro e seis meses: (a) de se abster de utilizar para fins de depósito de lixo o terreno conhecido como “Lixão” localizado na estrada São José, Gleba Pingüim, lotes 31A-1 e 31B, com 260.634 m² de área; (b) recompor a área em questão, com recuperação integral da superfície do ambiente, bem como controlar a emissão de derivados líquidos (chorume); (c) destinar outro local para o aterro sanitário, dentro das normas; (d) destinar de forma específica o lixo hospitalar, dentro das técnicas e legislação pertinente; (e) promover programa ambientalmente adequado de coleta seletiva aos resíduos urbanos, proporcionando condições de trabalho para aqueles que vivem do lixo reciclável.
O Município de Maringá recorreu de referida decisão interpondo recurso de apelação, sob nº 322655-5/Tribunal de Justiça-PR, o qual culminou no Acórdão nº 16045 ­ 5ª CC, aos 01/08/2006, que, à unanimidade, NEGOU provimento ao apelo e manteve a sentença em reexame necessário.
Não obstante, ciente da obrigatoriedade da referida decisão judicial vigente a partir do mês de agosto de 2006, o denunciado Silvio Magalhães Barros II, no exercício do cargo de Prefeito de Maringá (gestão 2005/2008), de forma consciente e voluntária, deixou de cumprir a ordem judicial, provinda do Juízo de Direito da Segunda Vara Cível da Comarca de Maringá/PR, oriunda dos autos nº 569/2000, sem ofertar justificativa plausível para citada desobediência.
Em razão de tal conduta, em 09/04/2008 o Ministério Público local propôs, perante o Juízo da 2ª Vara Cível de Maringá, EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL, em face do Município de Maringá, autos sob nº 509/2008, requerendo, que o Município em até quatro meses promova a recomposição da área em questão bem como destine outro local para a implantação do aterro sanitário; no prazo de três meses passe a destinar de forma específica o lixo hospitalar; e no prazo de seis meses promova a realização de programa de gestão ambiental adequado.
Até 12/11/2008 o Prefeito denunciado, Silvio Magalhães Barros II, não havia dado cumprimento à sentença mantendo o depósito do “Lixão” localizado na estrada São José, Gleba Pingüim, lotes 31A-1 e 31B, com 260.634 m² de área.
2º FATO: Também restou comprovado que em 23/12/2004, durante o trâmite da Ação Civil Pública nº 569/2000, o Instituto Ambiental do Paraná ­ IAP lavrou dois autos de infração, em face do Município de Maringá, totalizando R$ 370.000,00 (trezentos e setenta mil reais), por irregularidades relacionadas ao Depósito de resíduos sólidos urbanos municipais, tendo em seguida, nas datas de 21/09/2005 e 21/12/2005, havido Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta firmados entre o Instituto Ambiental do Paraná e o Prefeito Silvio Magalhães Barros II, representando o Município de Maringá, tendo o Município se obrigado: 1) em até 90 dias, apresentar Plano de Geranciamento de Resíduos Sólidos Urbanos, contemplando a reciclagem e a compostagem dos resíduos sólidos domiciliares (lixo reciclável) evitando a destinação destes materiais na “Área do Lixão”; 2) até 180 dias para a implantação e execução do projeto de controle para utilização da `atual área’; 3) em 120 dias o início da apresentação ao IAP de relatório mensal contendo as análises dos (06) poços de monitoramento; 4) até 240 dias, a apresentação de estudo de avaliação do passivo ambiental da área então utilizada e plano de recuperação; 5) em um ano a apresentação e licenciamento de nova área ou solução definitiva para a destinação dos resíduos sólidos (lixo) gerados no Município; 6) em até 18 (dezoito) meses o prazo para operar (utilizar) `a atual área’ como destinação final do lixo; cláusula de emergência (cláusula quarta, fl. 201 e outras) determina “a imediata implantação de coleta e queima de gases e adequada contenção do esgotamento das lagoas de efluentes líquidos (chorume)… em virtude dos riscos iminentes de combustão espontânea de gases acumulados na área e pelo risco iminente de rompimento das atuais lagoas de contenção…, bem como impedir, imediatamente, a entrada de pessoas estranhas no local do lixão, através de isolamento total da área, com cerca, mantendo vigilância permanente no local”.
Em virtude desses termos, o Prefeito Silvio Magalhães Barros II, determinou a instauração do processo de compras nº 113/2006 que culminou na dispensa de licitação nº 024/06-PMM, face a alegação de urgência, em 24/03/2006, em favor da empresa TRANSRESÍDUOS, pelo preço proposto de R$ 2.320.537,33 (dois milhões, trezentos e vinte mil, quinhentos e trinta e sete reais e trinta e três centavos), sendo o contrato de prestação de serviços firmado, sob nº 10/2006, prazo de execução/vigência de 180 dias, gerando os seguintes pagamentos:
MEDIÇÕES E FATURAMENTO PELA EMPRESA TRANSRESÍDUOS POR CONTA DA “DISPENSA Nº 024/06-PMM” FATURAMENTO BRUTO CONFORME MEDIÇÃO SOLICITA FLS.
PAGAMENTO NOTA FISCAL Nº DATA REFERÊNCIA VALOR (r$) PARA ATÉ O DIA VOLS. 04/05 0004323 04/05/2006 Abril/2006 220.084,10 12/05/2006 816-818 e 849 0004932 08/06/2006 Maio/2006 448.400,06 14/06/2006 819-821 e 850 0005466 06/07/2006 Junho/2006 478.287,81 14/07/2006 822-824 e 851 0005994 08/08/2006 Julho/2006 596.806,14 14/08/2006 825-827 e 852 0006548 12/09/2006 Agosto/2006 305.172,61 20/09/2006 828-830 e 853 0006661 02/10/2006 Setembro/2006 271.141,20 Imediato 831-833 e 856 TOTAL 2.319.891,92 Nota: Elementos fornecidos pela empresa TRANSRESÍDUOS (fls. 765-992, vols. 04 e 05).
Observa-se, entretanto, que na efetiva execução do contrato 10/2006 e autorização dos pagamentos, o denunciado Prefeito Silvio Magalhães Barros II, de forma consciente e voluntária, admitiu a modificação das cláusulas contratais e do próprio teor dos serviços contratados, sem permissão legal ou contratual para tanto, em detrimento dos interesses do município de Maringá, e com substancial prejuízo à reparação dos danos ao meio ambiente, causados pelo `lixão’, conforme adiante exposto.
Constata-se das “medições mensais”, atestadas por Guilherme Henrique Vargas Furlaneto, “Gerante de Coleta” (fls. 817-833, vol. 04), que por conta do “item 01 ­ recuperação da área” constou faturado, sem o “BDI” (adicional de 25% imputado ao total geral, fls. 818, 821 e outras), o montante de R$ 709.871,92 (setecentos e nove mil, oitocentos e setenta e um reais e noventa e dois centavos), (somas de fls. 817, 820, 823, 826, 829 e 832), ou seja, 25,4% acima do total “orçado” pela contratada para o item 01 (R$ 565.914,68 (quinhentos e sessenta e cinco mil, novecentos e quatorze reais e sessenta e oito centavos), fls. 811 e outras), diferença ou adicional “compensado ilegalmente” pela redução do faturamento, do que segue: no item 1, pela redução quase integral da implantação dos drenos, as lagoas em 20% e os poços de monitoramento à metade, exatamente o que se depreendia de “urgência” (que exclui inclusive prévio processo licitatório), em detrimento do meio ambiente; o item 2, notadamente também pela ausência do “monitoramento”, a coleta seletiva em tonelagem bastante inferior ao “contratado” (item 2.5, fl. 812 e outras) e o não fornecimento de qualquer cesta básica (fls. 818-833. vol 04).
Tais alterações abaixo especificadas, admitidas pelo prefeito Silvio Magalhães Barros II, ao determinar o pagamento integral dos valores contratados (R$ 2.319.891,92), embora os serviços tenham sido realizados em desacordo com o contrato firmado nº 10/2006, demonstram o descompasso entre o previsto no contrato e o executado.
Observa-se entre os serviços contratados (fls. 253- 256, vol. 02 e outras) e o executado/medido/faturado pela empresa TRANSRESÍDUOS (fls. 816-853, vol. 04), acréscimos em quase o dobro de alguns serviços, em detrimento de diversos serviços praticamente não executados, faturando-se a margem do contrato e da lei para obter o montante total contratado, sem nenhuma autorização legal ou contratual para tanto:
ITEM ESPECIFICAÇÃO ORÇADO/ MEDIDO/ DIFERENÇA % CONTRATADO EXECUTADO 1.0 TOTAL “Recuperação da área” 565.914,68 709.871,92 +143.957,24 +25,4% 1.1 Serviços Preliminares 32.023,77 26.838,97 5.184,80) (16,2%) (instalação/projetos) 1.2 Obras Civis (portaria, escritório, 118.284,61 153.205,74 + 34.921,64 +29,5% refeitório…) 1.3 Drenos verticais de gases 21.710,21 1.367,87 (20.342,34) (93,7%) 1.4 Implantação de drenos horizontais p/ 94.989,40 164.647,37 +69.657,97 +73,3% chorume 1.5 Drenagem de águas superficiais 117.544,43 227.395,97 +109.851,54 +93,4% (pluviais) 1.6 Tratamento ­ Lagoas de estabilização 165.340,21 128.403,00 (36.937,21) (22,3%) (03) 1.7 Implantação de poços de 16.022,05 8.011,02 (8.011,03) (50,0%) monitoramento (08)
ITEM ESPECIFICAÇÃO ORÇADO/ MEDIDO/ DIFERENÇA % CONTRATADO EXECUTADO 2.0 TOTAL “Operação-Manutenção” (06 1.290.515,10 1.146.041,64 (144.473,46) (11,2%) meses) 2.1 Equipamentos (máquinas, caminhões, 504.926,40 554.511,18 +49.584,78 +9,8% veículo) 2.2 Mão-de-obra e encargos (28 319.759,38 344.846,82 +25.087,44 +7,8% funcionários) 2.3 Materiais e insumos (cimento, pedra, 277.710,00 220.919,92 (56.790,08) (20,4%) areia…) 2.4 Monitoramento dos poços (análise da 15.920,40 1.500,00 (14.420,40) (90,6%) água) 2.5ª Coleta Seletiva (dois caminhões `baú’; 144.750,00 24.263,72 (120.486,28) (83,2%) 200t/mês)
2.5b Fornecimento de Cestas Básicas 27.448,92 0 (27.448,92) (100,0%) (100un/mês) SOMA GERAL (Item 01 + Item 02) 1.856.429,78 1.855.913,56 “BDI” de 25% sobre soma geral 464.107.45 463.978,36 TOTAL GERAL c/ “BDI” 2.320.537,23 2.319.891,92
Assim, o denunciado Prefeito Silvio Magalhães Barros II, ao admitir ilegalmente a alteração de cláusulas e anuir com o pagamento integral de vários serviços realizados em desacordo com o contrato 10/2006, celebrado com a empresa Transresíduos, agiu em detrimento dos interesses do Município de Maringá, bem como prejudicou a recuperação ambiental da área conhecida como “Lixão”. (fls. 02/10)
1.2 Registrada e autuada a ação, os autos foram distribuídos a esta Câmara e Desembargador (f. 1072), que determinou a notificação do acusado e requisitou seus antecedentes (f. 1073).
1.3 Notificado, ele apresentou resposta, por advogado constituído, alegando, em síntese, que a denúncia é inepta, ante a atipicidade dos fatos ali descritos.
Relativamente ao 1º fato, sustentou que se encontra indelevelmente comprovado, por meio de comunicação feita ao Juízo, prolator da sentença, que vem cumprindo a decisão judicial, a qual, inclusive, ainda não transitou em julgado; e, por fim, que não restou caracterizado o elemento subjetivo do tipo.
No que tange ao 2º fato, assevera a parcialidade do Órgão Ministerial, ao violar o artigo 48 do CPP; que há ausência de demonstração de dolo; que o referido contrato foi efetivamente cumprido; que a formatação contratual celebrada, assim como a realidade fática, afasta qualquer modificação apta a ensejar a pertinência da denúncia; e, sob esses argumentos, pediu pela rejeição da inicial acusatória (f. 1110/1152), instruindo a manifestação com documentos (f. 1154/1612).
1.5 Nesse interregno, foram juntados os antecedentes criminais do denunciado, requisitados (f. 1096, 1099 e 1102/1103).
1.6 Com vista, a douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo recebimento total da denúncia (f. 1623/1642).
Todavia, após as informações sobre a atual situação do AI 688675, interposto perante o STF (f. 1652), em nova vista, a PGJ manifestou- se pela rejeição da denúncia quanto ao primeiro do fato, mantendo-se, na íntegra, as considerações feitas em relação ao segundo (1664/1667).
É o relatório.

2. Fundamentos

2.1 Como inicialmente relatado, o Ministério Público do Estado, com base em reproduções da Ação Civil Pública n.º 569/2000, da 2ª Vara Cível da Comarca, ofereceu denúncia, contra SILVIO MAGALHÃES BARROS II, Prefeito Municipal de Maringá, pela prática dos fatos ali narrados e incursão no artigo 1º, inciso XIV, 2ª parte, do Decreto-Lei n.º 201/67 (1º fato) e no artigo 92, da Lei n.º 8.666/93 (2º fato), combinado com o art. 69, do CP (f. 02/10).

2.2 Compulsando os autos, até aqui formados, e não obstante a alegada inépcia, concluí que a denúncia descreve, satisfatoriamente, as condutas tidas como criminosas, atribuídas ao acusado, com amparo em indícios suficientes de materialidade e autoria delitivas, conforme evidenciado, pela documentação acostada.

2.3 Entretanto, ao retomar os fatos, e diante da complexidade e volume do processo investigativo, julgo necessários alguns apontamentos pormenorizados, a respeito das acusações aqui feitas ao denunciado.

2.3.1 Suposta inépcia da inicial acusatória A defesa apóia-se, com fulcro no artigo 43, inciso I, do Código de Processo Penal, na premissa de que a denúncia deve ser rejeitada, alegando que os fatos narrados não constituem crimes.
Sustentou que, para isso, é necessário adentrar no mérito da causa, ainda que nesta fase, ante a evidente atipicidade, que se amolda ao caso, coadunada pela ausência do dolo na conduta perpetrada pelo denunciado.
Entretanto, razão alguma lhe assiste.
Prima facie, importante se faz o disposto no artigo 41 do CPP, que assim expressa:
A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá- lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

2.3.2 Nesse contexto, embora conste da resposta do acusado, a menção ao artigo 43, inciso I, CPP, é cediço que o citado dispositivo encontra-se expressamente revogado, pela Lei n.º 11.719/08, resultante da reforma processual penal de 2008.
Ademais, na nova sistemática, adotada pelo Estatuto Processual Penal, a rejeição da inicial acusatória (ou queixa) remete ao artigo 395 do CPP, aperfeiçoando-se quando for manifestamente inepta, carecer de pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal, ou quando ausente o lastro probatório mínimo, a que aduz a justa causa.

2.3.3 No que tange à inépcia argüida, insculpida no inciso I do artigo 395, citado, deve de pronto ser afastada, a uma, pela riqueza de detalhes, concatenados, e assentados nas concisas nove laudas, apresentadas pelo Órgão Ministerial, permitindo ao réu a exata compreensão do contexto fático e, em consequência, garantindo-lhe o contraditório e a ampla defesa. A duas, pois a exordial acusatória amolda-se, com exatidão, aos requisitos formais do artigo 41 do CPP, retro mencionado.

2.3.4 Quanto à ausência de dolo, argüida pela defesa, prematura se faz a sua verificação, neste momento, ante a complexidade dos fatos expostos, que exige maior profundidade, a ser alcançada na fase de instrução.
Nesse sentido, recente jurisprudência desta Câmara Criminal, in verbis:
EMENTA: DENÚNCIA-CRIME. PREFEITO MUNICIPAL E CO- DENUNCIADOS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 2º, II, C/C ART. 11 DA LEI 8.137/90.
SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO QUE NÃO REPASSOU ICMS RECOLHIDO ANTECIPADAMENTE DO SUBSTITUÍDO.
INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE PARA O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE. NECESSIDADE DE PERÍCIA. INOCORRÊNCIA. SUPORTE PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA O RECEBIMENTO. TIPICIDADE DA CONDUTA. FATOS QUE SE SUBSUMEM AO TIPO PENAL IMPUTADO. PEÇA FORMALMENTE PERFEITA E EM CONSONÂNCIA COM O ART. 41, DO CPP. CONTINUIDADE DELITIVA. POSSÍVEL RECONHECIMENTO APENAS NA FASE DE DOSIMETRIA DA PENA. ALEGAÇÕES DE AUSÊNCIA DE DOLO, INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA E ESTADO DE NECESSIDADE QUE SÃO AFETAS AO MÉRITO DA AÇÃO PENAL E DEMANDAM PRODUÇÃO PROBATÓRIA. 1. Havendo indícios suficientes de autoria e materialidade delitivas, e elementos probatórios idôneos, configuradores da prática, em tese, das infrações, impõe-se o recebimento da denúncia. 2. As questões de ausência de dolo, inexigibilidade de conduta diversa e estado de necessidade são atinentes ao mérito da ação penal, uma vez que exigem a incursão em elementos só possíveis de se verificar após produção probatória. 3. A denúncia que expõe com clareza os fatos tidos como criminosos, suas circunstâncias e classificação, bem como individualiza a conduta de cada acusado de modo suficiente a possibilitar o exercício da ampla defesa é formalmente válida e em consonância com os ditames do art. 41 do Código de Processo Penal. DENÚNCIA RECEBIDA. (TJPR, Denúncia Crime n.º 567897-9, Rel. Des. Noeval de Quadros, j. 18.02.10, DJ 340) (Negritei)

2.3.5 1º fato – Artigo 1º, XIV, do Decreto-Lei nº 201/67
Segundo os autos, o Ministério Público ingressou com Ação Civil Pública, a que tramitou pela 2ª Vara Cível da Comarca, sob nº 569/2000, cujo pedido foi julgado procedente, em 18.03.05, constando do dispositivo da sentença, várias determinações, com prazos estabelecidos, as quais deveriam ter sido observadas pelo Município (f. 1022/1033).
Sem maiores incursões no mérito da causa, essa decisão foi confirmada pela Quinta Câmara Cível deste Tribunal, na Apelação nº 322655-5 e, ante o não cumprimento voluntário da referida ordem judicial, pelo Prefeito Municipal, viu-se o Ministério Público compelido a promover, em juízo, a execução daquele título executivo judicial (f. 1034/1055 e 1056/1061).
Entretanto, segundo a inicial acusatória, até 12.11.08, o decisum dado na ação civil pública, não foi cumprido.
O delito, previsto no artigo 1º, inciso XIV, 2ª parte, trata- se de modalidade de desobediência direcionada ao agente político, como é o caso daquele que exerce a função de Chefe do Poder Executivo, cuja responsabilidade no cumprimento da lei importa maior rigor.
Todavia, ao proferir a sentença, nos autos sob nº 569/2000, foi arbitrada, pelo d. Magistrado singular, multa diária, no valor de R$ 10.000,00, nos termos do artigo 11 da Lei nº 7.347/85, condicionada ao eventual descumprimento da ordem prolatada (f. 1033).
Assim, prevendo a lei sanção específica, por meio de multa cominada ao réu, no âmbito cível, tendo por finalidade compelir este devedor a cumprir a referida obrigação, decorrente de ordem judicial, não há que se falar em desobediência, na esfera criminal.
A regra, todavia, só seria excepcionada caso a norma expressamente admitisse a cumulação, da sanção cível com a reprimenda penal, o que não se vislumbra no caso concreto.
Da mesma forma, entendeu a d. Procuradoria Geral de Justiça, ao opinar sobre a matéria:
A decisão que o Juízo deu por desatendida pelo Prefeito de Maringá seria de natureza cível, e como tal, existe previsão legal de aplicação de multa conforme artigo 461, § 4º, do Código de Processo Civil e artigo 11 da Lei de Ação Civil Pública (L. 7347/85), além de outras medidas que podem ser adotadas em relação ao infrator, mas no caso concreto, sem a expressa cumulação com efeitos penais, o que torna a conduta atípica. (f. 1665)
Ademais, é o entendimento esposado por esta Câmara Criminal:
EMENTA: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. – SUPOSTA PRÁTICA DELITUOSA DECORRENTE DO NÃO CUMPRIMENTO PELO PREFEITO DA DECISÃO QUE DETERMINOU A REINTEGRAÇÃO DE SERVIDORAS PÚBLICAS EM SEUS RESPECTIVOS CARGOS. – ATIPICIDADE DA CONDUTA DESCRITA NO ART. 330 D0 CP. – SANÇÃO CIVIL EXPRESSAMENTE CONSIGNADA NA DECISÃO JUDICIAL. – MULTA DIÁRIA DE R$ 800,00 (OITOCENTOS REAIS) PELO DESCUMPRIMENTO. – PLEITO DE ARQUIVAMENTO ACOLHIDO. I. Consta expressamente da ordem judicial expedida nos autos de ação declaratória a determinação de reintegração das servidoras aprovadas aos cargos que ocupavam, bem como a estipulação de multa diária no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais) em caso de descumprimento da decisão proferida. II. “1.
Consoante firme jurisprudência desta Corte, para a configuração do delito de desobediência de ordem judicial é indispensável que inexista a previsão de sanção de natureza civil, processual civil ou administrativa, salvo quando a norma admitir expressamente a referida cumulação. 2. Se a decisão proferida nos autos do Mandado de Segurança, cujo descumprimento justificou o oferecimento da denúncia, previu multa diária pelo seu descumprimento, não há que se falar em crime, merecendo ser trancada a Ação Penal, por atipicidade da conduta. Precedentes do STJ.” (STJ. HC 92.655/ES. Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. Quinta Turma. Julgado em 18.12.2007) (TJPR, Pedido de Providências n.º 600574-7, Rel. Des. Lídio José Rotoli de Macedo, j. 29.10.09, DJ 268) (Negritei)
Ademais, na hipótese sub judice, entendo que não existe crime quando alguém não cumpre ordem impossível de cumprimento.
Basta lembrar os inúmeros lixões do Brasil e do exterior, sem solução, inclusive o de Curitiba.
Obrigar a mudança do “lixão de Maringá”, saturado e problemático há vários anos, não se mostra simples.
E, segundo explicou o denunciado, ele está envidando todos os esforços para organizar, na cidade, um Centro de Depósito e Reciclagem de Lixo exemplar, retirando do local os pobres catadores, que são muitos em quase todas as localidades.
Desta forma, mostra-se atípica a conduta aqui descrita, apta a acarretar a rejeição da denúncia.
Acolhidas as considerações retro, deixo de analisar os demais apontamentos argüidos pela defesa, em relação ao primeiro fato, porque prejudicados.

2.3.6 2º fato – Artigo 92 da Lei nº 8.666/93
Consta como imputada ao acusado, a incursão no artigo 92, da Lei 8.666/93, porque, como Prefeito, ao celebrar com a TRANSRESÍDUOS, o contrato n.º 10/2006, teria permitido a alteração de cláusulas previstas, em detrimento dos interesses da municipalidade, prejudicando, em especial, a recuperação ambiental da área denominada “Lixão de Maringá”.
De início, sustenta o denunciado a contrariedade ao artigo 48 do CPP, haja vista a não inclusão da contratada no pólo passivo da denúncia, considerando que todos os envolvidos na execução do contrato nº 10/2006 deveriam, inevitavelmente, ser denunciados.
Sem razão.
Como apontado no pronunciamento ministerial retro, a inclusão da TRANSRESÍDUOS, no pólo passivo da denúncia, anteriormente oferecida, só seria correta ante a existência de indícios suficientes de que tal sociedade participou das ilegalidades ali mencionadas ou, por conseqüência delas, obteve alguma vantagem indevida.
Nesse diapasão, GUILHERME DE SOUZA NUCCI, com muita propriedade, ao tratar da figura específica para o contratado, ressalta que:
[…] Assim, caso o servidor dispense a licitação, mas o particular não tome parte em qualquer ato ilegal, que lhe diga respeito, ainda que se beneficie da contratação indevida, é incabível a punição. (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 740 e 745). (Negritei)
Ademais, e conforme entendimento jurisprudencial e doutrinário já firmado acerca do tema, o princípio da divisibilidade, em matéria de ação penal pública incondicionada, não impede que o Ministério Público denuncie, por exemplo, apenas um dos acusados e, posteriormente, os demais, após colheita de elementos diversos e/ou produção robusta de provas, aptos a formar a sua convicção.
No mesmo sentido, esta Segunda Câmara Criminal já se manifestou:
[…] 1. “Aplica-se à ação pública incondicionada o princípio da divisibilidade, pois é facultado ao órgão acusatório processar apenas um dos ofensores, optando, assim, por coletar mais evidências para, posteriormente, processar os demais ou eventuais infratores.” (STJ-5ª Turma, HC 35.084/DF, Rel. Min.
Laurita Vaz, julg. 05.09.2006, DJU 30.10.2006, p. 338) […] (TJPR, Ap. Crime n.º 362658-8, Rel. Juíza Conv. Lilian Romero, j. 19.04.07, DJ 7372) (negritei)
Destarte, o alegado não denunciamento da TRANSRESIDUOS não caracteriza qualquer afronta ao artigo 48 do CPP e, por conseguinte, não tem o condão de obstar o recebimento da denúncia.

2.3.7 Outros aspectos, apontadas pelo acusado como impeditivas do recebimento da denúncia, como a suposta ausência de dolo, certamente não devem e não podem ser tratadas nesta fase, mas sim durante o curso do processo crime, sob o albergue do contraditório e da ampla defesa.
Prevalecendo, neste instante, o princípio do in dubio pro societate, trará a instrução criminal, em outro momento, a transparência necessária a sanar possíveis questões, aptas a delinear o elemento subjetivo do tipo.
Nesse mister, é certo que esta etapa de prelibação é condicionada apenas à apreciação dos requisitos elencados no artigo 41 do CPP, ou seja, verificação das condições inerentes ao exercício da ação penal.
Ademais, as razões defensivas, expostas na resposta, mostram-se insuficientes para obstar o recebimento da denúncia, a qual se perfaz formalmente perfeita e embasada nas provas documentais e indícios bastantes de autoria e comprometimento.
No mesmo sentido:
PREFEITO MUNICIPAL – DENÚNCIA ART. 1O, INCISO XIV, DO DL 201/67 ­ RECEBIMENTO. Se a denúncia descreve satisfatoriamente a conduta tida como criminosa imputada ao acusado, com amparo em indícios de autoria e materialidade e com base em documentos, impõe-se seu recebimento.
Questões que envolvem melhor a apuração probatória e o dolo, devem ser resolvidas após regular instrução.
(TJPR, Denúncia Crime nº 143965-2, Rel. Des. Carlos Hoffmann. J. 20.11.03, DJ 6519). (Negritei)
O que se observa é que não houve a diligência necessária e a observância dos princípios que regem a administração pública, os quais protegem interesses da coletividade, nos aspectos patrimonial e moral.
O fato restou transparente na contradição existente entre os ditames do pacto firmado e a efetiva execução dos serviços, como demonstrado na denúncia, o que denota, ante os indícios de autoria e provas de materialidade, a necessidade da persecução penal in iuditio.

2.3.8 Sem decretos coercitivos
Por derradeiro e considerando que os atos atribuídos ao denunciado, em princípio, não haverão de afetar a segurança pública e a moralidade da administração municipal, a não ser que futuramente reiterados, deixo de propor seu afastamento do cargo e/ou sua prisão preventiva, previstos nos artigos 311 e seguintes do CPP, e artigo 2º, inciso II, do Decreto-Lei 201/67, dando- lhe a chance de mostrar seu caráter e lisura, no desempenho atual e futuro do mandato, para o qual fora eleito pelos munícipes.
Voto Face ao exposto e tudo o que dos autos consta, acolhendo a cota ministerial retro (f. 1623/1642), voto pela rejeição da inicial acusatória, quanto ao primeiro fato, e pelo seu recebimento, quanto ao segundo (fato), oferecida contra o Prefeito SILVIO MAGALHÃES BARROS II, sem decretação de sua prisão cautelar ou afastamento do respectivo cargo.
Oportunamente, após a publicação e o trânsito em julgado deste Acórdão, será decidido a respeito dos atos subseqüentes do processo ora instaurado em relação ao segundo fato descrito pela denúncia.
Decisão ACORDAM os Julgadores integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em rejeitar a inicial acusatória, quanto ao primeiro fato, e recebê-la, quanto ao segundo (fato), sem decreto de prisão nem afastamento, determinando seja ela convenientemente registrada e autuada, com o prosseguimento do processo penal instaurado, de acordo com o voto, do Relator.
Do julgamento, presidido pelo Desembargador JOSÉ MAURÍCIO PINTO DE ALMEIDA, com voto, participaram o eminente Desembargador LÍDIO JOSÉ ROTOLI DE MACEDO e os Juízes Convocados, Doutores FRANCISCO EDUARDO GONZAGA DE OLIVEIRA e CARLOS AUGUSTO ALTHEIA DE MELLO.

Curitiba, 21 de outubro de 2010.
Des. JOÃO KOPYTOWSKI Relator

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